A gravidez não foi planeada, eu tomava a pílula e ele conseguiu ser o espermatozoide mais rápido e mais oportunista. Às sete semanas de gravidez, contra todas as certezas médicas que eu estaria a abortar, numa consulta em que esperava o pior, ouvi um coraçãozinho a bater forte e resistente.
Nasceu às quarenta e uma semanas e três dias, sem eu nunca ter sentido uma contração, sem ele ter feito o favor de se encaixar, obrigando-me a uma cesariana, só para contrariar os meus planos de ter um parto natural.
Se eu tivesse deixado ainda hoje mamava, deixei-me disso aos cinco meses, por precisar de tomar medicação e também porque a bem da verdade, amamentar não é a minha cena, depois falamos sobre isso com calma e paninhos quentes.
Adora comer, comer, comer, é uma espécie de monstro das bolachas Maria. Não descobrimos até agora algum alimento que ele não goste. Quer comer sempre sozinho, o que me deixa muito orgulhosa e também lixada da vida, quando tenho que apanhar quilos de arroz do chão ou tenho que limpar iogurte da capa do sofá, mas como sou uma mãe fixe, apoio a independência, bla, bla, bla e ele come quase sempre sozinho.
Detesta dormir, odeia tanto o sono como os comunistas odeiam o capitalismo. Dorme mal desde sempre e nós com ele. É rara a noite em que não acorde para vir para a nossa cama e é raro acordar depois das seis da manhã, seja dia de semana ou fim-de-semana, faça chuva ou faça sol, mais certo que o camião do lixo que passa na nossa rua todos os dias às seis e meia da manhã e mais fiável que o galo do quintal do vizinho.
Ainda assim, acorda sempre bem-disposto, sempre! Alguém que entenda isto, porque o meu mau humor matinal não entende. Fala, canta, ri-se. Igual só mesmo o pai, a boa disposição matinal de todo o mundo concentrou-se neles dois.
Delira com canetas, principalmente porque elas servem para riscar as mãos, as pernas, as capas das cadeiras, o chão, as paredes e os livros da irmã, o que a deixa à beira de um ataque de nervos. Também é adepto da destruição, mais uma vez dos livros da irmã, das construções que ela faz com os legos ou das brincadeiras que ela esteja a fazer no momento. Se a irmã não o deixar brincar com ela, transforma-se num trator que leva tudo à frente e não desiste dos brinquedos que quer. É uma animação.
Não se deixa abater com questões existenciais, é despachado e desprendido. Quando os levamos à escola, faz adeus e vira as costas. A semana passada, depois de quinze dias de férias, a irmã foi para a colónia no Jardim Zoológico e ele foi para a escola sozinho. No primeiro dia ensaiou um chorinho, mas foi todos os outros dias sem dramas. Ontem a irmã regressou à escola, chorou baba e ranho, a drama queen do costume e ele solidário com ela chorou também pela primeira vez. Aposto que hoje ela vai ficar a chorar sozinha, que ele não é de perder tempo com choros. O pai já me conta como foi.
Tirando uma fase ou outra, é raro fazer birras, (graças a todos os santos e anjinhos que para birras e choros já temos especialista), tendo bolachas Maria, Masha e o Urso na televisão e o pai por perto, não há nada que o aborreça demasiado.
Tem uns olhos que iluminam o dia mais cinzento, a gargalhada mais maravilhosa que possam imaginar, adora cantar e dançar e amarrar o burro quando não lhe fazemos as vontades e deu-me um beijinho pela primeira vez já tinha dois anos. É um ninja, uma máquina de fazer barulho, uma peste que não nos deixa dormir, é o menino do papá, uma bênção nas nossas vidas.