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Ser super mãe é uma treta

Ser super mãe é uma treta

22
Fev18

Detestei amamentar

Susana

Detestei amamentar. Começo assim o texto para não o lerem ao engano. Nunca pensei que a amamentação fosse um momento mágico em que ouvimos música celestial, enquanto as pequenas crias sugam o leite das nossas mamas e que o vínculo entre mães e filhos só se desse assim, ou que fosse imprescindível para as defesas dos nossos filhos, ou que todas as coisas que nos tentam enfiar na cabeça fossem a preto e branco, mas imbuída do espírito de sacrifício que toda a mãe deve ter, amamentei (ou tentei amamentar) os meus filhos.

 

Tive duas experiências diferentes e detestei cada uma delas.

 

Com a Mariana foi tudo difícil, ela nasceu antes das 38 semanas, era minúscula e fazia da mama uma chucha. Eu não o percebi e os enfermeiros que chamei trezentas vezes, enquanto estive na maternidade também não. O primeiro que me viu quando fomos para o quarto parecia uma criança maravilhada com um brinquedo novo, juro, mexeu-me nas mamas, espremeu os mamilos, eu tinha imenso leite disse-me radiante. Fiquei estupidamente contagiada com tanto entusiamo, só podia correr bem. Não correu. A Mariana passava horas na mama e quando eu os chamava todos me diziam o mesmo, que eu tinha muito leite, para experimentar dar mama deitada para um lado, depois para o outro, depois com a cabeça dela numa almofada, depois sentada no cadeirão, depois em pé, depois a fazer o pino e nada. Ralharam comigo, exigiram-me paciência. E eu tive. Eram eles que me davam as drogas para as dores e eu obedecia. Passava horas sentada num cadeirão e a minha filha passava horas irritada a tentar mamar e não se ouvia música celestial em lado nenhum. Piorou no dia em que devíamos ter alta. A pediatra informou-me que ela tinha perdido muito peso e que estava desidratada. O mundo desabou na minha cabeça. Vi-me inundada em culpa. A miúda só tem quatro dias e eu já estou a fazer tudo mal. Ainda na maternidade dávamos Leite Adaptado para ela ganhar peso e insistíamos na mama, mas a mama era o nosso momento de irritação, de frustração e de culpa. Continuava a não mamar e eu acabava por lhe enfiar um biberão cheio de LA goela abaixo. Ela ficava feliz e eu também.

 

Quando ela fez um mês desisti e passou exclusivamente a LA.

 

Com o Tiago foi tudo fácil. No recobro, assim que a enfermeira o meteu na minha mama, eu senti sem qualquer dúvida que ele estava a mamar. Aliás, aposto que se eu deixasse ele ainda hoje mamava. O meu filho nasceu de 41 semanas e três dias, era grande, e eu tal como da primeira vez, tinha muito leite e o meu pequeno bezerrito mamava de duas em duas horas. Era mamar, arrotar, mudar a fralda, mamar, arrotar, mudar a fralda, mas apesar da aparente facilidade, continuei a detestar com todas as minhas forças. Amamentar é muito doloroso, eu sei que depois melhora um pouco, mas enquanto não melhora dói, os mamilos estão gretados, sensíveis, as mamas estão sempre inchadas. Eu tinha leite para alimentar uma ninhada de gatos. Não havia discos de amamentação que aguentassem. Acordava sempre com o pijama molhado, cheguei a tomar banho durante a noite, nos intervalos em que ele me largava as mamas. Que era pouco tempo, porque acordava quatro e cinco vezes para mamar durante a noite. Era desconfortável. Sempre detestei amamentar fora de casa, sentia-me sem privacidade. E era uma prisão. A primeira vez que tirei leite com a bomba para poder sair, fui com o meu marido a um concerto, passei o concerto com as mamas a rebentar e quando cheguei a casa estavam cheias de caroços e eu chorei de dor. Eu detestava, mas o miúdo gostava e crescia e eu aceitei as condições. A única vantagem era ser grátis.

 

Quando ele fez cinco meses precisei de começar a tomar uma medicação e não pensei duas vezes, comecei imediatamente a dar LA em exclusivo. Como castigo, o meu filho não me deixa dormir bem até hoje.

 

Das duas vezes tomei a decisão de deixar de amamentar de forma consciente e sem culpa, sabendo que não estava a prejudicar os meus filhos. A amamentação está sobrevalorizada. Amamentar é alimentar e não tem que ser necessariamente com as nossas mamas. Este é um tema que gera muita discussão, não raras vezes acéfala, acusadora e fundamentalista. Existe muita pressão dos médicos, dos enfermeiros, da família e dos amigos, para que a mãe amamente, chega a ser terrorismo psicológico e pode ser demolidor para quem não souber lidar com isso. Como toda a gente sabe, ser mãe é uma condição cheia de sacrifício e se tu não sacrificas as tuas mamas pelos teus filhos, não podes ser boa mãe.

 

Detestei amamentar e esta é a minha experiência, não é um manifesto contra a amamentação, o que desejo é que cada mãe possa ter a sua experiência, fazendo as suas escolhas, sem culpa, sabendo que não é a amamentação que a define enquanto mãe.

 

Em parceria com Up to Kids.

16
Fev18

Deixem as mães em paz, porra!

Susana

Estava no hospital à espera da minha vez para uma consulta, a sala cheia, pessoas sentadas, pessoas em pé, umas a conversar, outras a tossir, outras a reclamar, o placard a anunciar o número das senhas e de repente o choro de uma criança fez parar o barulho ensurdecedor da sala. Estremeci. Reconheço de cor o som de uma birra. Olhei e vi uma mãe com olheiras até ao chão, cabelo apanhado à pressa, um ar que tanto podia ser de desespero, como de exaustão, como de loucura. Era a vez dela, senha quinze, guichet número cinco. A miúda a fincar os pés no chão, a mãe a arrastar a miúda pelo braço e o choro cada vez mais alto. O placard anuncia outra vez a senha quinze, guichet número cinco. A mãe chega finalmente ao guichet, pede desculpa, um sorriso amarelo, a miúda senta-se no chão, a mãe tenta tirar papéis de dentro da mala, a miúda deita-se no chão a chorar, a mãe entrega o cartão de cidadão, a miúda puxa o casaco da mãe, a mãe não aguenta mais e dá um berro:

 

- Estás a fazer birras deste que acordaste, acaba já com isso ou levas uma palmada no rabo!

 

A mãe olhou à volta, pegou na filha ao colo, baixou a cabeça e saiu da sala.

 

Tive vontade de me levantar e ir abraçar aquela mãe. Podia ser eu. Podia ter sido eu o alvo daqueles olhares reprovadores. Aquele cansaço e aquele desespero podia ser meu.

 

Dias mais tarde, novamente numa sala de espera, desta vez nas urgências do centro de saúde com o meu filho, enquanto esperava que o chamassem, uma miúda choramingou o tempo todo. Todo. Passava do colo da mãe para o colo do pai, levantava-se, sentava-se no chão, deitava a cabeça nas cadeiras, fugia para os gabinetes das enfermeiras, dava pontapés no caixote do lixo, o pai levou-a a apanhar ar, voltou para o colo da mãe, atirou o telemóvel da mãe ao chão, a mãe deu-lhe uma palmada no rabo, ela chorou ainda amais alto e a mãe saiu da sala com as lágrimas nos olhos perante o abanar de cabeça de quem lá estava.

 

Tive vontade de me levantar e ir abraçar aquela mãe. Podia ser eu. Podia ter sido eu o alvo daqueles olhares reprovadores. Aquele cansaço e aquele desespero podia ser meu.

 

Aquela mãe precisava de um abraço, de colo, de alguém que lhe dissesse que não é má mãe, que os miúdos fazem birras sabe Deus porquê e que a culpa não é nossa. Mas, tudo o que esta mãe e a outra mãe e todas as mães recebem quase sempre, é aquele terrível olhar reprovador que diz sem dizer que estamos a fazer tudo mal, que não prestamos neste trabalho de sermos mães dos nossos filhos, que os miúdos são mal-educados e a culpa é nossa. Não impomos respeito, não sabemos educar e não definimos limites.

 

Vejo isto a toda a hora e em todo o lado. Nas salas de espera das urgências, nas filas de supermercado, nas lojas, no cinema, na praia, nos parques infantis, nos transportes públicos, nos restaurantes, em nossa casa. Que os miúdos se livrem de se mexerem na cadeira do restaurante, de se rirem alto, de se meterem nas nossas conversas, que se livrem de chorar de aborrecimento, de cansaço ou de dor, que se livrem de fazer uma qualquer birra estúpida, que se livrem de serem pessoas em construção, com vontades, frustrações e tentativas manhosas de nos manipular. Que se livrem de serem crianças, porque se o fizerem a culpa é nossa. Das mães que aos olhos dos outros não sabem ser mães.

 

Texto em parceria com a Up to Kids.

12
Fev18

Breve inquérito a mães normais (7)

Susana

A próxima mãe a responder ao inquérito é a minha amiga Sara. A Sara começa por me perguntar se eu acho mesmo que ela é uma mãe normal e a verdade é que não acho, a Sara é uma mãe extraordinária. Penso imensas vezes nela quando me sinto cansada e sinto-me minúscula perante tanta coragem. A Sara é mãe de cinco filhos, ela e o Nuno, o marido, decidiram deixar Portugal e emigrar para Praga. Vivem longe da família e dos amigos, mas mais perto do que possam imaginar. Vivem no meio da floresta, a Sara é mãe, professora dos filhos e ainda uma fonte de inspiração. Prometo que ainda vos volto a falar da Sara e do Nuno outra vez.

 

Sara, 40 anos, ex-professora de Educação Física, de há cinco anos para cá, mãe a tempo inteiro. Cinco filhos - 4 miúdas, com 12, 9, 5 e 2 anos + 1 miúdo com 4 anos. Passei a ser mãe a tempo inteiro quando optámos pelo Ensino Doméstico, portanto posso dizer que as minhas funções de mãe abrangem o ensino escolar dos meus filhos.

 

Qual a coisa de que tens mais saudades de fazer desde que és mãe?

Dos hobbies. Esses ficaram um pouco esquecidos nos últimos anos, mas aos poucos vou recuperando, especialmente em tempo de férias.

 

O que mudou em ti com a maternidade?

Algumas coisas mudaram. Conhecer uma outra forma de amor - abnegado, que dá sem questionar, com prazer, de forma sacrificial (sem que seja um sacrifício). Menos ego. A minha certeza de que eu era uma pessoa muito paciente, que dificilmente se irritava. Afinal não era verdade. Compreender melhor os outros pais (e os meus próprios!). Não compreender os outros pais (sim, isto dá para os dois lados). Preocupação. Preocupo-me mais.

 

És a mãe que imaginaste?

Não tenho certeza, não me lembro exatamente do que imaginava. Se te referes a ser exatamente como gostaria..., há coisas (várias!) a melhorar e a aprender. Contudo, também há áreas na maternidade em que fui além do que alguma vez imaginei. Por exemplo, nunca pensei vir a ficar em casa, dedicada aos miúdos - isso seria impensável -, e, afinal, faço-o com gosto!

 

Que conselho darias a alguém que está a pensar em ser mãe?

Um conselho... Avança! Sem medos. É uma das viagens mais bonitas da nossa vida.

08
Fev18

Detesto o Carnaval

Susana

Não sei que idade tinha, uns sete ou oito anos talvez, porque já andava na escola primária. Pedi à minha mãe para me mascarar e a única máscara que arranjou foi uma de criada que alguém lhe emprestou. Coitada da criança que a vestiu antes de mim. A máscara era ho-rro-ro-sa. Um vestido curto preto, um avental branco com folhos e uma espécie de espanador. Se os meus pais fossem ricos, eu devia ter feito terapia depois desse Carnaval. Não fiz.

 

Adiante, vou para a escola com a máscara mais feia de sempre e dou de caras com a minha arqui-inimiga. A estúpida também se chamava Susana, era loirinha, de olhos azuis (não é sempre assim?), boa aluna como eu, queridinha da professora, nova riquinha dos subúrbios, sonsa como tudo. Lá estava ela, no recreio da escola, com a sua máscara espampanante de dama antiga. Caraças, fecho os olhos e ainda a vejo naquele vestido lindíssimo cor-de-rosa, com direito a peruca loira com canudos, maquilhagem, sapatos de salto e uma bolsa com brilhantes. Eu nem pintada estava. Ela estava giríssima e eu era literalmente a criada.

 

Apeteceu-me dar-lhe com o espanador na cabeça, mas nessa idade eu era uma espécie de mosca morta e contentei-me por ficar a chorar a um canto. Devo estar a exagerar, porque não me lembro de ter ficado a chorar a um canto, mas um bocadinho de drama fica sempre bem.

 

É só uma história que ajuda a explicar porque detesto o Carnaval. Não sei o que é feito dessa Susana, nem o que ela pensou desse Carnaval. Se estava feliz, se era feliz, se tinha a noção de que era a miúda rica das vivendas, em oposição aos muitos miúdos pobres do bairro. Não importa, essa miúda já não existe. Depois disso não me voltei a mascarar.

 

Hoje, tantos anos depois, com dois filhos que, ao contrário de mim, adoram o Carnaval, sou aquela mãe com ar tresloucado que deixa tudo para os últimos dias e que tenta a todo o custo encontrar uma capa de super-heroína para completar a máscara da filha.

 

Os filhos amolecem-nos e não há ódio de estimação que sobreviva.

 

Texto em parceria com a Up to Kids.

01
Fev18

O nosso colo não cura tudo

Susana

Como mãe sinto muitas vezes frustração. Não apenas quando não consigo acalmar uma birra ou quando não consigo dormir uma noite inteira sem interrupções, mas principalmente quando os meus filhos estão doentes. 

 

Ontem, depois do jantar, dei por mim a caminho do hospital com a minha filha. Outra vez. O costume. Na sala de espera, já cansada, ela deitou-se no meu colo, encostou a cabeça no meu peito e adormeceu. Senti-lhe o cheiro doce dos cabelos, as mãos quentes da febre e, exausta, chorei. 

 

Chorei de cansaço e de frustração.

 

Na semana passada estiveram os dois doentes (a bem da verdade, ainda não deixaram de estar doentes desde o Outono) e já estou outra vez sentada no frio da sala de espera da urgência pediátrica.

 

Conheço de cor a tosse, a respiração, com ou sem expetoração, os nomes dos medicamentos, a dosagem, sim, faz essa bomba todos os dias, vamos aumentar a dose, vamos experimentar estes comprimidos, este é de doze em doze horas, os sinais de alarme, sim, eu sei quais são, se não melhorar em dois dias volta cá, então adeus, até daqui a dois dias.

 

Posso gritar?

 

Com o tempo vai melhorar, eles vão crescer, vamos ter saudades: todas já ouvimos isto centenas de vezes, mas a verdade é que o aqui e o agora é feito de miúdos doentes o tempo todo e eu garanto que não vou ter saudades. Estou de rastos, pareço um pano velho que agora só serve para secar as bancadas da cozinha, quando os oiço tossir começo imediatamente a tremer, não durmo bem há cem anos, a tensão quer que eu pare para descansar e recuperar forças, mas vivemos num círculo vicioso interminável. 

 

Abracei a minha filha com força, beijei-lhe a testa e limpei as lágrimas. A maior frustração da maternidade é a do colo da mãe não ser capaz de curar tudo. 

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