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Ser super mãe é uma treta

Ser super mãe é uma treta

31
Mar17

4 de Maio de 2012

Susana
O dia 4 de Maio de 2012 calhou a uma sexta-feira, eu estava grávida e fazia as doze semanas na segunda-feira seguinte.
 
Estava a trabalhar, fui ao wc, limpei-me e vi o sangue no papel higiénico. Não sei quanto tempo fiquei ali a olhar para o sangue. Era sangue vivo, era abundante.
 
Vesti-me, fui ter com uma colega, das poucas que sabia que eu estava grávida e pedi-lhe para ir comigo à Maternidade Alfredo da Costa. Pelo caminho liguei ao meu marido, que em pouco tempo estava lá.
 
Abraçámo-nos.
 
Existe aquele mito de que não devemos contar que estamos grávidas antes das 12 semanas. Eu já tinha estado de baixa, porque às 6 semanas o feto não estava a evoluir, mas depois disso parecia tudo normal, um coração que batia forte, as medidas supostas para o tempo e eu esqueci aquele pesadelo. Estava feliz, estava grávida e notava-se.
 
Quando cheguei à MAC tudo me pareceu demorar uma eternidade. Eu estava a perder sangue e a calma dos outros parecia-me uma ofensa. Fazer o registo, mostrar o cartão do cidadão, o cartão de saúde, dar a morada, contactos, por favor, eu só quero ouvir um coração a bater.
 
Entrei para a triagem e depois das explicações habituais, mandaram-me deitar numa maca. Ali fiquei deitada, num corredor, sozinha. Ao longe ouvia o som de outros corações, portas a abrir e fechar. Uma enfermeira passava de tempos a tempos e pedia-me para ir ver se ainda perdia sangue.
 
Depois do que me pareceu serem cem anos, fui chamada por uma médica sorridente. Deitei-me, fez-me uma ecografia, o sorriso desapareceu e disse-me que eu tinha sofrido um aborto espontâneo.
 
Não percebi nada. Eu continuava a querer ouvir um coração a bater.
 
Rapidamente me explicou que o feto teria parado de se desenvolver por volta das 9/10 semanas e só agora o corpo estaria a tentar expulsá-lo.
 
É muito comum, disse-me. Alguma coisa não estaria bem com o feto e o próprio corpo impediu que se desenvolvesse, era bom sinal. Falou em percentagens, casos de sucesso após aborto e mandou-me para casa esperar que o corpo fizesse o resto do trabalho. 
 
Contei ao meu marido, à minha mãe, mas eu só pensava que o meu corpo tinha dentro dele o que foi um filho muito desejado e tudo tinha acabado.
 
Não sei se chorei muito ou pouco, ou o quão dolorosa foi esta perda. Todo o processo demorou um mês, entre idas ao hospital, colocar comprimidos e mais comprimidos para provocar a expulsão, contrações dolorosas e ecografias e mais ecografias, que mostravam sempre restos, que tudo se resumia a essa necessidade de tirar o feto de dentro de mim. Não havia lugar para a dor psicológica.
 
Fui maltratada no hospital por não querer fazer uma raspagem, não tinha filhos, não queria arriscar. Li de tudo na internet. Tomei banhos de água quente, bebi chá de canela, perdi a conta aos comprimidos, às dores, ao sangue que perdi.
 
Mudei de médico, encontrei a calma, era só esperar e não fazer mais nada. E assim foi.
 
A 27 de Junho de 2012 tudo terminou e eu chorei de alívio.
 
Durante o processo percebi que a médica da MAC tinha razão, uma grande percentagem de mulheres sofre abortos espontâneos, mas não falam sobre isso. Regra geral acontecem antes das 12 semanas de gravidez e a sabedoria popular diz que dá azar contar, agoira, é preciso ter cuidado com o mau olhado e as mulheres sofrem sozinhas, como se fossem culpadas ou estivessem estragadas.
 
Não estão e devemos falar abertamente sobre o assunto. Desmistificar. 
 
A 12 de Setembro de 2012 voltei a ouvir um coração a bater e dessa vez a história foi feliz.
 

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