Nasci em Portugal há 37 anos, na outra margem do Tejo, a que alguns totós chamam de deserto. Nunca tive vontade genuína de sair de Portugal, já disse muitas vezes que este país é uma merda, que qualquer dia vamos mas é pegar nos miúdos e sair daqui, mas não passa de conversa da boca para fora, de quem tem os pés bem presos ao chão desta terra. (Ter medo de andar de avião também ajuda a não sair daqui.)

 

Aqui nasci, aqui cresci, aqui casei, aqui tive os meus filhos e aqui tento (sobre)viver e educar os meus filhos.

 

Sobre criar filhos em Portugal

Se tivermos os avós e tios por perto, aquela ajuda maravilhosa do final do dia para ir buscar os miúdos à escola, levá-los às atividades e dar-lhes o jantar de vez em quando é perfeito. Para quem como nós tem zero ajudas, em que somos só nós e nós, de manhã à noite, todos os dias da semana, é como ser atropelado por uma manada de elefantes.

 

Sobre o ritmo de vida

O que dizer? Demorar uma hora por dia para chegar ao trabalho e outra hora para regressar, deixar os miúdos às sete e meia da manhã na escola e ir buscá-los doze horas depois, é coisa para várias depressões. Trabalhar em part-time para ter algum tempo de qualidade para os filhos? Hahahaah.  Quanto mais tarde for a hora de saída, melhor és aos olhos da chefia. Não importa se chegas tarde, se produzes pouco, se passas horas a coçar a micose ou a fazer telefonemas para clientes imaginários, o que importa é sair depois das 19 horas e ainda responder a e-mails a partir de casa, enquanto vês umas séries na Netflix.

 

Sobre as creches

Ouvi dizer que em Portugal existem IPSS, mas como não tenho cunhas os meus filhos frequentam uma creche privada. As mensalidades das creches em Portugal estão quase sempre acima dos 300 euros e sem atividades extra. A ginástica que as famílias portuguesas têm que fazer com o orçamento familiar é digna dos jogos olímpicos. Exemplo simples: com dois filhos são 600 euros de mensalidade para a creche, mais fraldas, mais alimentação, mais pediatras privados, vacinas fora do plano nacional de vacinação, vestir e calçar, ginástica, natação ou outra atividade extra, renda da casa, ainda me estão a acompanhar?

 

A alimentação

A alimentação em Portugal tem tudo para ser boa. Uma oferta de legumes generosa, muita variedade de peixe e carne. O pior são os preços. Toda a gente sabe que só os pobres têm problemas com a alimentação. É fácil dizer que temos um problema com a obesidade infantil, mas enquanto comprar uma courgette para fazer sopa custar quatro euros o quilo, o pobre vai continuar a encher a sopa de batata, feijão encarnado e chouriço.

 

Os bebés em Portugal

Os bebés em Portugal são muito bem vistos, as mães é que são mal tratadas pelas entidades patronais. Precisamos de mais bebés, mais que não seja, para os miúdos crescerem, trabalharem e pagarem as nossas reformas, mas basta ver a nossa incrível taxa de natalidade, para percebermos que poucos vão nessa conversa.

As mulheres faltam ao emprego para ir a consultas durante a gravidez, usufruem de licença de maternidade quando os bebés nascem, faltam quando eles estão doentes, não podem sair mais tarde porque têm de os ir buscar às creches, tudo uma grande chatice.

Os incentivos sociais também são fantásticos. A oferta de IPSS é vergonhosa, os abonos são péssimos e a partir de determinado rendimento o Estado decide que somos ricos e vai lá pedir abono a outro, as rendas de casa, Deus meu, o melhor é morarmos todos num T0 pequenino que ter um T3 é para os Espírito Santo, os ordenados miseráveis também não permitem escolher um horário de part-time ou damos por nós a bater à porta da Cáritas.

 

Ofertas culturais para miúdos

Existe muita oferta, às vezes é preciso é procurar. No Inverno é mais chato, mas para quem não quer deixar os miúdos enfiados em casa o fim-de-semana inteiro, as câmaras municipais fazem muitas atividades em conjunto com as bibliotecas, horas do conto secantes e coisas do género, existem exposições com fartura na Gulbenkian, brunches por todo o lado e em alternativa há muito centro comercial para correrem aos gritos. Sem chuva a vida corre melhor, temos muitos jardins, parques infantis e praias de norte a sul a custo zero.

 

Sobre os cuidados médicos

É uma questão de sorte. Durante as gravidezes fui sempre seguida no obstetra particular e os meus filhos nasceram num hospital privado, correu sempre tudo bem. Por outro lado, sempre que tive de recorrer ao hospital público fui maltratada, as minhas queixas foram desvalorizadas e dei graças por poder escolher ter os meus filhos num hospital privado. Os meus filhos têm sido seguidos no pediatra particular, mas não me posso queixar nem um bocadinho da nossa médica do centro de saúde. Sempre atenta, cuidadosa e disponível. No hospital a coisa é pior, nem sempre os miúdos são vistos por pediatras e podemos levar com médicos tarefeiros que não têm a mínima paciência e vocação para o que estão a fazer. Sorte, é o que os pais precisam.

 

Sobre as férias

Como os meus filhos ainda andam na creche e a creche não fecha, as férias deles são as nossas, por isso ainda não vivo esse drama de encontrar atividades ou colónias de férias para os enfiar, nas centenas de interrupções do ano letivo. Acho muito bem que os miúdos tenham férias e tempo livre, o mal disto tudo é ser completamente desajustado da realidade laboral dos pais. Lá chegaremos, pensarei nisso mais tarde.

 

O melhor e o pior de Portugal

O pior é mesmo a falta de incentivos à natalidade, ter filhos é um desporto radical. Precisamos de mais oferta de IPSS, salários mais altos, possibilidade de horários reduzidos para os pais sem penalização no vencimento, melhores cuidados de saúde para as crianças, com inclusão de todas as vacinas no PNV, rendas de casa decentes. Votem em mim!

 

O melhor? O melhor é ser o nosso país, o lugar onde nascemos e nos sentimos enraizados. Ter muito sol, muita praia, muita luz e estarmos relativamente seguros, também ajuda. Nem sempre é fácil, principalmente quando pagamos os impostos, mas não o trocava por outro.

 

Texto publicado originalmente no blog Amãezónia, na rubrica Mães pelo Mundo.