Quando eu era miúda, um pouco mais velha que a minha filha, andei na ginástica rítmica, acho que era este o nome pomposo que se dava ao que fazíamos na velha coletividade do bairro. Faltava-me o jeito, os óculos escorregavam-me da cara e tinha o mesmo sentido de ritmo que um pinguim coxo e míope. Apesar de tudo, eu lá andava no meio das que tinham algum jeito, de olhos no chão a tentar passar despercebida, enquanto esperava que os óculos não caíssem e a música acabasse depressa para eu sair do palco. Aquilo era penoso, verdadeiramente penoso. Era impossível executar um passo de dança sem pensar no que estava a fazer, no que os outros estavam a ver, no que sentiam e no que eu sentia por me estarem a ver.
No outro dia a minha filha teve um sarau. Nos dias anteriores percebi-lhe o nervosismo. As birras ao final do dia, o choro fácil, a voz a tremelicar enquanto me perguntava se já tinha comprado a saia de tule amarelo. Conheço-a de cor. Quando o dia do sarau chegou, a primeira coisa que me disse foi que não queria ir. Ainda na cama, de braços cruzados e de lágrimas nos olhos, tudo o que ela queria era ficar longe dos olhares dos outros. Protegida. Chorou para sair da cama, chorou a tomar o pequeno-almoço, chorou a lavar os dentes, chorou a vestir-se, chorou a pentear-se. Eu conversei com ela, o pai também. Contei-lhe a minha experiência de pinguim, o pai contou-lhe a experiência de guarda-redes falhado, falámos sobre responsabilidade, sobre desiludir os outros, porque o par dela da dança ia ficar triste por não dançar, sobre não ter medo de errar e que basta fazer sempre o nosso melhor e, ainda assim, ela não parou de chorar, de dizer que não ia. Disse-o tantas vezes. Sentimo-nos frustrados por a ver nervosa, por não a conseguirmos acalmar e fazê-la compreender apenas com o dom das nossas palavras que era só um sarau. Confesso que o meu coração de mãe teve vontade de a abraçar e de lhe dizer que não ia, que ia ficar em casa protegida do medo de falhar, que ficava na redoma onde não entra essa consciência dela e dos outros, onde não se sente nervosa por ser o centro das atenções. Foi por muito pouco. Mas, abracei-a com força, disse-lhe que tinha que ir, que estavam a contar com ela. Ela continuou a chorar. Chorou a sair de casa, chorou no caminho até lá, chorou lá, não fez uma das apresentações, conseguiu acalmar-se e dançou com a sua saia de tule amarelo.
Senti cada lágrima da minha filha, estava a vê-la e a ver-me a mim de olhos no chão, sei exatamente o que ela estava a sentir, reconheço aquela incapacidade de se soltar por completo, de ser ela por inteiro, sei que a balança pendeu mais para o lado do sofrimento do que para o do divertimento, sei que podia tê-la abraçado e ficado em casa – não tinha importância, era só um sarau, ela é só uma criança, mas eu também sou só uma mãe a aprender a ser mãe, a fazer escolhas pelos meus filhos. E se de um lado estava a mãe-galinha a querer tê-la debaixo da asa, do outro estava a mãe racional a querer ensinar a filha a não fugir.
E ser mãe também é este sabor amargo na boca, este orgulho de a ver enfrentar os medos e esta dor de a ver sofrer com isso.
Sigam o Ser Super Mãe é Uma Treta também no Facebook.