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Ser super mãe é uma treta

Ser super mãe é uma treta

28
Set18

Dez coisas que não devem dizer a uma mãe:

Susana

1 - Tem calma!

Calma? Mas tenho calma porquê? Achas que eu não tenho motivos para me enervar? Até tu já me estás a enervar.

 

2 - É só uma fase.

E depois desta fase vem outra fase e depois outra e logo a seguir começa outra fase. Obrigada, és um génio!

 

3 - Um dia vais ter saudades.

Vou e de levar com um pau nas costas também.

 

4 - Não queres ter mais filhos porquê?

Porque não és tu que os vais parir.

 

5 - Isso é mimo.

E isso é estupidez, quando é que tratas disso?

 

6 - Tu é que os habituaste mal.

Que alívio, pensava que tinha sido a vizinha, fico muito mais descansada.

 

7 - Aproveita bem todos os momentos.

É o que eu penso quando acordo às três da manhã porque o meu filho quer fazer xixi: “Foda-se, deixa-me lá aproveitar este momento.”

 

8 - Se fosse eu fazia… (inserir opinião)

Então vai lá fazer isso com os teus filhos e não me fodas a cabeça.

 

9) Ser mãe é a melhor coisa do mundo.

Prometes?

 

10) Com essa idade o meu filho já falava alemão, montava a cavalo e escalava o Everest.

O meu filho come migalhas do chão, serve?

 

Eu escrevi só dez coisas porque não tenho a vida toda, vocês sabem como as pessoas adoram dizer merda.

 

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27
Set18

Os conselhos dos outros são uma merda

Susana

Quando engravidamos e anunciamos ao mundo que vamos ser mães, o mundo segura-nos na mão e começa a dar-nos conselhos. E por mundo quero dizer mundo, o mundo inteiro, todas as pessoas do raio do mundo inteiro possuem informação privilegiada que por um qualquer acaso não chegou até nós mães desprovidas de cérebro, capacidade de pesquisar informação e de tomar decisões.

 

As mães dos grupos de mães, a vizinha do 3.º esquerdo, a colega de trabalho, a enfermeira do centro de saúde, a nossa chefe, a mulher na sala de espera do consultório, as terapeutas do sono, as deusas da parentalidade positiva, a bloguer/influencer/instagramer/youtuber, a avó que está com o neto no parque infantil, o taxista que nos leva a uma consulta, a empregada de balcão do café onde tomamos o pequeno-almoço, a mulher na paragem do autocarro, a educadora da escola dos miúdos, a nossa cabeleireira, a empregada da caixa do supermercado, a nossa gestora de conta do banco, o nosso pai, a nossa mãe, a nossa avó, a nossa sogra, a nossa tia, a tia da tia da prima, a prima em quarto grau que só vemos no Natal, a melhor amiga, a amiga que está a viver no estrangeiro, a amiga que acabou de ser mãe, a amiga que não tem filhos, a sogra da nossa amiga e a amiga da nossa amiga que conhecemos na festa de aniversário da filha da nossa amiga.

 

Qualquer uma das pessoas acima e todas as outras que se abeiram de uma mãe, que me levava a vida inteira para enumerá-las a todas, conseguem perceber rapidamente que merda é que estamos a fazer mal e mostrar-nos a luz, o caminho da sabedoria, os passos para a perfeição e enfiar-nos na cabeça a filha da puta da culpa. Rapidamente nos mostram que não escolhemos o melhor obstetra, que estamos a engordar demasiado, que não estamos a usar o melhor creme para as estrias ou a tomar as vitaminas adequadas, que a barriga está muito descaída e a criança deve estar quase a nascer e que para acelerar o parto basta-nos andar muito ou comer comida picante, dizem-nos que não sabemos o que é parir porque implorámos por uma epidural, que devíamos ter tido o nosso filho num hospital público e não no privado, elas sabem se devemos ou não receber visitas, se estamos a amamentar bem ou que não devíamos dar leite adaptado, elas olham para os nossos filhos e pesam-nos com os olhos e juram que estão magrinhos, aconselham-nos os melhores médicos, que nunca são os nossos, indicam-nos medicamentos, tratamentos e duvidam seriamente das razões porque os nossos filhos estão sempre doentes, dizem-nos que damos demasiado colo, que os miúdos são mimados, sabem mudar as fraldas melhor que nós e os rabos só ficam assados com a mãe porque a mãe não usa creme suficiente, sabem a idade exata em que os nossos filhos devem começar a comer a sopa e fuzilam-nos se lhes damos papas, sabem quando devem nascer os primeiros dentes e quando devem começar a palrar, a sorrir, a gatinhar, a andar, a falar corretamente português e inglês e a andar a cavalo, ensinam-nos todas as teorias da parentalidade positiva, consciente, mindfulness e todas as tretas para nos conectarmos com os nossos filhos, conseguem resolver qualquer birra sem esforço, impor rotinas para adormecer e não, com eles não há cá essa merda da privação do sono.

 

(inspira, expira, inspira, expira)

 

Quando somos mães dizem-nos que estão felizes por nós, dão-nos os parabéns e juram que vamos ser as melhores mães do mundo, mas desconfio que estão só felizes por ter mais uma mãe a quem foder o juízo.

 

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18
Set18

Algumas mentiras que já disse aos meus filhos (mais que uma vez):

Susana
- Mãe, onde é que tu e o pai vão?

 

Mentira: Vamos trabalhar.

 

Verdade: Vamos passar o fim-de-semana fora e voltamos amanhã. 

 

 *

 

- Porque é que não podemos ir ao cinema com vocês?

 

Mentira: Os senhores do cinema não deixam entrar meninos pequenos à noite.

 

Verdade: Foda-se, era o mais que faltava.

 

 *

 

- Mãe, compraste aquela revista que eu pedi? 

 

Mentira: A papelaria estava fechada.

 

Verdade: Merda, esqueci-me.

 

 *

 

- Podemos ouvir o cd do Panda e Os Caricas?

 

Mentira: O cd está riscado, já não dá para ouvir.

 

Verdade: Vou partir o cd ao meio com as minhas próprias mãos.

 

 *

 

- Mãe, podes comprar-me uma Barbie?

 

Mentira: Compramos noutro dia.

 

Verdade: Nunca!

 

 *

 

- Estás a ouvir o que eu estou a dizer?

 

Mentira: Sim, filha, claro.

 

Verdade: Que raio é que ela estaria a dizer?

 

 *

 

- Já comemos peixe ao almoço na escola.

 

Mentira: Eu sei filho, mas faz bem comer peixe duas vezes por dia.

 

Verdade: Nem abri o e-mail com a ementa deste mês. Mãe má, mãe má.

 

 *

 

- Mãe, não compraste as bolachas de chocolate.

 

Mentira: Já não havia bolachas. Nenhumas. Já tinham comprado tudo.

 

Verdade: Esqueci-me da merda das bolachas.

 

 *

 

- Posso ver o teu telemóvel?

 

Mentira: Não tem bateria.

 

Verdade: Tem bateria, mas quero ser eu a gastá-la no Facebook enquanto vou à casa de banho.

 

 *

 

- Podes meter na Vampirina?

 

Mentira: As gravações não estão a funcionar, não consigo meter para trás.

 

Verdade: Estou tão farta da Vampirina que prefiro ouvir a música do Diogo Piçarra em loop durante três dias e três noites.

 

 *

 

- No Natal posso pedir um tablet ao Pai Natal?

 

Mentira: Sim, claro, escreves uma carta e depois esperas para ver o que recebes.

 

Verdade: O cabrão do Pai Natal não existe e ainda não tens idade para ter um tablet.

 

 *

 

- Vais dormir a noite toda ao pé de mim, não vais?

 

Mentira: Sim, filha, a noite toda.

 

Verdade: Assim que estiveres a ressonar vou a correr para a sala e adormecer no sofá com o pai.

 

 *

 

- Podemos ir ao parque?

 

Mentira: O parque já está fechado.

 

Verdade: Deus me livre e guarde de me ir enfiar ao domingo à tarde num lugar cheio de pais passivo agressivos a correr atrás dos filhos e a gritar “Zé Mariaaaa, tem cuidado filho!”

 

*

 

- Estás a comer o quê?

 

Mentira: Malaguetas!

 

Verdade: Chocolate!

 

 

Mentir é feio, mentir aos filhos é feio a dobrar, mas dá um jeito do caraças para evitar birras. Quem nunca?

 

 

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14
Set18

Breve inquérito a pais normais (1)

Susana

Hoje meti um homem a escrever por mim e trago-vos o primeiro breve inquérito a pais normais. E para começar o meu amigo Nuno Gonçalo Poças. Já tinha partilhado aqui alguns textos do Nuno, que são sempre uma visão crítica e lúcida da nossa sociedade. E rara. Precisamos de mais intervenções públicas assim, não deixem de o seguir. Voltando ao inquérito, diz o Nuno que desde que foi pai nunca mais tomou banho sozinho #estamosjuntos e que os homens que não estão dispostos a partilhar com as mulheres o lado negro da parentalidade deviam ficar quietos.

 

As respostas do Nuno.

 

Nuno Poças, 32 anos, cansado, advogado, casado e pai de uma filha de 16 meses.

 

Qual a coisa de que tens mais saudades de fazer desde que és pai?

De poder deitar-me tarde e dormir sem limites. De comer sem ter de partilhar tudo o que como. De poder tomar banho sem dedos a apontar para mim do lado de fora da banheira. De não estar sempre a apanhar coisas do chão. De não estar sempre a dizer “não”. De poder ir para qualquer lado só com uma mochila ou com a carteira no bolso.

 

O que mudou em ti com a paternidade?

A capacidade que ganhei de trabalhar um dia inteiro e chegar a casa sem saber o que estive a fazer porque estive cheio de sono o dia todo. Mudou muito a forma como olho para o futuro, sobretudo, e a forma como decido determinadas coisas na minha vida. Despedir-me por cansaço, por exemplo, deixou de ser uma opção e antes de ter filhos era.

 

És o pai que imaginaste?

Acho que sim, com os defeitos e tudo. Mas também sei que se é pai todos os dias e que todos os dias os miúdos mudam e nós com eles, todos os dias temos de estar à altura e há dias em que não estamos, por isso não sei bem. Sei que faço o melhor que sei e que posso, que já fiz coisas que nunca me tinha imaginado a fazer e que já fiz coisas de que me arrependi. Mas acho que sim, que sou o pai que imaginei. A minha filha vai para a escola e passa algum tempo a perguntar por mim, por isso acho que sim.

 

Que conselho darias a alguém que está a pensar em ser pai?

Primeiro que queiram mesmo ser pais e que saibam estar à altura da circunstância. Que se envolvam tanto como as mães, que não deixem o lado negro disto para elas. Que sejam Homens e percebam que é preciso mudar fraldas, dar banhos, acordar a meio da noite, preparar biberões, e que se podem continuar a fazer imensas coisas que se fazia sem filhos, mas de forma diferente ou mais reduzida. Se não estão para isso, é melhor estarem sossegados e pouparem uma mulher à tormenta que é criar uma criança sozinha.

 

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14
Set18

Gravidez não é doença? Às vezes se não é parece.

Susana

Gosto sempre das alminhas iluminadas e bem pequeninas que lá porque tiveram uma gravidez santa e abençoada pela Nossa Senhora da Gravidez Sem Sintomas e Riscos, se julgam no direito de dizer às outras que estão a exagerar, que faz parte, que a gravidez não é doença e que deviam ficar felizes e erguer as mãos aos céus e agradecer por terem a possibilidade de conceber. Sim, isso.

 

Pode ser difícil para algumas mulheres (e homens, porque caraças, como eles gostam de opinar sobre isto) entenderem que às vezes a gravidez é uma carga de trabalhos, mas a verdade é que é e se calhar essas mulheres é que deviam erguer as mãos aos céus e agradecer por terem tido uma gravidez tranquila.

 

Há quem tenha sintomas desde o momento em que o espermatozoide mais rápido que os outros fecundou o óvulo, há quem vomite a gravidez inteira sem que o São Nausefe lhe alivie os dias, há quem tenha dores em sítios do corpo que desconhecia que existiam, há quem desenvolva diabetes gestacional, há quem não seja imune há toxoplasmose, há quem tenha descolamento da placenta, há quem tenha perda de liquido amniótico, há quem tenha hipotiroidismo ou hipertiroidismo, há quem tenha que passar a gravidez inteira deitada, há quem tenha anemia, patologias cardíacas ou outras que nos dificultam a vida.

 

Resumindo, há um sem número de mulheres para quem efetivamente a gravidez mais parece uma puta de uma doença, por isso calem-se, sim? Não fazem ideia do que a grávida a quem dizem que a gravidez não é uma doença está a passar.

 

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14
Set18

Coisas imprescindíveis para uma mãe não enlouquecer:

Susana

- Sentido de humor;

- Dizer que se foda;

- Assumir que somos imperfeitas;

- Mandar à merda as opiniões dos outros;

- Existir para além dos filhos;

- Dar pontapés na culpa;

- Álcool.

 

Fico sempre com o olho direito a palpitar quando vejo a dificuldade de algumas mães em se libertarem do papel mãe perfeita. Eu percebo, é fodido. Quando assumimos que somos imperfeitas estamos a assumir que erramos e se é difícil assumirmos para nós mesmas que erramos, é ainda mais difícil assumir perante os outros que estão sempre prontos a julgar uma mãe, que somos de facto imperfeitas. Mas, os outros que se fodam. Somos todas imperfeitas e estamos todas à beira de um ataque de nervos, só que umas escondem melhor que outras, mas no final do dia, quando deitamos os miúdos e nos sentamos no silêncio, todas, todinhas, pensamos que não vamos aguentar, que os miúdos rebentam com a nossa paciência e que era tão bom que os filhos da mãe fizessem o que lhes dizemos à primeira.

 

Não se levem demasiado a sério, digam mais vezes que se foda, riam de vocês e desta loucura que é a maternidade e não tenham medo de assumir que são imperfeitas. É que fica tudo (um bocadinho) mais fácil.

 

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14
Set18

Se não têm nada de bom para dizer fiquem caladinhas, sim?

Susana

- Se não têm paciência para ter filhos não os tenham.

 

Há coisas que são ditas com demasiada frequência e em que eu hesito em mandar as pessoas diretamente à merda sem passar pela casa de partida ou em desatar aos pontapés contra todos os meus princípios de não-violência.

 

Esta frase ou variantes dela, podem ser ditas por quem não tem filhos e aí até dou um desconto, porque eu antes de ter filhos também era a mãe perfeita, mas também é dita por quem tem filhos e aí não há desconto que lhes valha. Não sei que porra estas pessoas têm na cabeça e porque lhes é tão fácil julgar as outras mães, não sei se tomam alguma merda que as faça estar sempre em modo mãe perfeita fora de casa e em casa partem a loiça toda contra a parede, não sei se é apenas o prazer de foder a cabeça às outras ou se são mesmo assim parvas, o que sei é que não é aceitável dizer aos outros o que os qualifica para ter filhos e de que forma devem exercer a sua parentalidade.

 

Não é aceitável dizer que quem perde a paciência, dá um grito ou uma palmada aos filhos não é bom pai e não devia ter filhos. Não é mesmo e estou cansada desta merda das mães perfeitas, zen e com a mania que sabem tudo, que vivem para apontar o dedo e tentar encher os outros de culpa. Se não têm nada de bom para dizer fiquem caladinhas, sim?

 

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14
Set18

O pós-parto

Susana

O pós-parto, Deus e todos os santos nos ajudem, haverá fase mais filha da puta?

 

Começa naquele momento aterrador em que nos deixam sozinhas com o bebé. O bebé já nasceu, correu tudo bem (ou menos bem), estamos inebriadas com o efeito da adrenalina, das drogas, do cansaço, da confusão da maternidade e eis que a hora da visita do pai acaba e nos deixam sozinhas com aquela criatura que ainda agora estava dentro da nossa barriga e que agora está ali, minúscula e frágil.

 

Dizem-nos que temos que proteger aquela criatura e tudo o que queremos é que nos protejam a nós daquele vendaval de emoções, que nos deem colo e que nos digam ao ouvido que vai correr tudo bem. Temos que cuidar e saber cuidar, sem hesitações, dar banho, mudar as fraldas, tratar do cordão umbilical, amamentar, temos que saber tudo, logo, sem erros, uma mãe sabe, não sabias? E temos que amar, amar instantaneamente, ao primeiro cheiro e ao primeiro toque, temos que amar imediatamente e loucamente aquela criatura minúscula e frágil que ainda agora chegou à nossa vida.

 

Que merda é esta que nos está a acontecer? Parece que fomos atiradas para dentro de um filme e ninguém nos deu a porra de um guião.

 

Regressamos a casa e já não somos nós, nascemos de novo e somos a mãe. E a mãe que pariu um pequeno milagre só pode estar feliz, eufórica, não pode chorar, nem sentir-se confusa. As hormonas que se fodam, a mãe que se recomponha, que meta um sorriso no rosto e que amamente a criança que já está com fome outra vez. Os dias passam iguais e a mãe que sorri nunca se sentiu tão sozinha, vê outras mães que também sorriem e não percebe, algumas já voltaram ao ginásio, mostram a barriga lisa, juram que amaram os filhos ao primeiro olhar e garantem que é tudo fácil, as amigas estão a trabalhar, o marido chega ao final do dia e a mãe sente-se culpada por ainda olhar com desconfiança para aquela criatura que lhe meteram nos braços e de não conseguir estar à altura das expectativas dos outros.

 

O pós-parto é um lugar estranho, solitário e onde as expectativas dos outros em relação ao que devemos sentir e fazer nos fodem o juízo. O pós-parto não tem dia marcado para acabar, não sabemos quando vamos sentir aquele amor avassalador, pode demorar um dia ou vários, a barriga pode demorar meses a ir ao lugar e as putas das hormonas vão ficar descontroladas muito tempo, podemos chorar, podemos pedir ajuda, podemos não saber tudo. E está tudo bem. Vai correr tudo bem.

 

Os outros que se fodam.

 
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06
Set18

Breve inquérito a mães normais (10)

Susana

Há algum tempo que não fazia os breves inquéritos a mães normais, falta de tempo, sono e alguma preguiça, mas eles voltaram e para (re)começar desafiei a mãe do blogue A Família Neurodiversa a responder e pedi-lhe para escrever muito, para usar este espaço como se fosse dela. E porquê? Porque é preciso desmistificar a diferença, precisamos de aprender a olhar para o outro com empatia, não com pena ou lugares comuns, precisamos de olhar para o outro, ver as diferenças que existem e aceitá-las. E se não falarmos muito sobre isso, se escondermos, a aceitação nunca vai acontecer. A mãe da Família Neurodiversa escreve com uma lucidez que nos arrasa ao mesmo tempo que nos ensina a sermos mais humanos. Obrigada mais uma vez querida D. Leiam, leiam mesmo, vale cada segundo do vosso tempo.

 

 

Chamo-me D. e tenho dois filhos: um menino autista e uma menina neurotípica. Criei o blogue A Família Neurodiversa para poder registar algumas das minhas experiências como mãe de uma criança com autismo em terra estrangeira. Vivemos num duplo exílio porque somos uma família atípica num país que não é o nosso. Todos os dias, tentamos aprender como apoiar um menino de três anos cujo cérebro funciona de forma admiravelmente diversa (daí o termo "neurodiversidade"). Ao mesmo tempo, esforçamo-nos diariamente para compreender melhor as regras gramaticais, sociais, fiscais e laborais do país que escolhemos para viver. Em certa medida, a nossa experiência como adultos é análoga à do nosso filho: estamos a tentar funcionar num mundo que não foi desenhado à nossa medida.

 

A Família Neurodiversa prefere o anonimato, pelo menos para já, porque quer oferecer um relato sincero sobre a maternidade atípica. Ainda tenho dúvidas sobre partilhar a identidade ou imagem dos meus filhos; temo que isso me leve a omitir episódios embaraçantes e pensamentos politicamente incorrectos. Creio que correria o risco de cair na armadilha dos blogues açucarados, nos quais as crianças são princesas com laçarotes e as mamãs heroínas incansáveis. Que fique claro desde já: eu não sou santa e os meus filhos não são anjos. Temos acessos de amor, cólera, cansaço, compaixão e gula. Por favor, não nos roubem a humanidade. A maternidade atípica cansa, como todas as maternidades. É por vezes extenuante. Tem no cardápio crises em espaços públicos, dificuldades alimentares, e episódios de discriminação protagonizados por quem deveria proteger os nossos filhos (directores de creches, por exemplo). Se for para falar desta viagem única, que seja com um discurso franco, e sempre que possível bem-humorado, para que não se corrobore narrativas irreais e culpabilizantes sobre a parentalidade.

Como diz a brasileira Ana Nunes no fabuloso livro "Cartas de Beirute", é preciso escrever não só para que as pessoas que não têm filhos com deficiência "consigam desenvolver mais empatia", mas sobretudo para alcançar outros pais com crianças atípicas. Aprecio muitíssimo este sentido de irmandade através da escrita. Abre-se assim a possibilidade de partilha de experiências na certeza de que não estamos sozinhos, de que ser pai e mãe é exigente mesmo (ser humano já é um desafio enorme, como é que gerar e criar outra criatura haveria de ser fácil?) e que está tudo bem se, por vezes, sentarmos no chão a chorar. Acontece. Isto não é desistir nem falhar, é descomprimir para poder continuar. Pai e mãe tem direito a parar e cuidar de si próprio. O melhor cuidador é aquele que cuida de si mesmo para cuidar melhor dos outros.

 

 

Qual a coisa de que tens mais saudades de fazer desde que és mãe?

 

Não consigo escolher só uma. Há duas.

A primeira é namorar com o meu marido. Não parece, mas já fomos jovens e cheios de colagénio. As duas lindas criaturas só existem porque houve uma paixão única entre os dois criadores. Tenho saudades de viajarmos só os dois, de conversarmos sobre coisas interessantes sem sermos interrompidos a cada minuto. Como a maioria das famílias imigrantes, não temos retaguarda familiar. Não há uma tia que leve o menino para aqui nem uma avó que carregue a menina para acolá. Não temos dinheiro para babysitters. Somos só nos os quatro, o tempo todo. Isto une muito a família neurodiversa mas também esbate a fotografia do casal de namorados que um dia fomos.

A segunda coisa de que tenho saudade é ler em silêncio. Sou uma leitora compulsiva e a maternidade tende a roubar a nossa identidade leitora. Quem não vive sem ler, como eu, continuará a fazê-lo - mas será uma leitura fragmentada, sem apontamentos e com menor possibilidade de diálogo com outros textos que arquivamos mentalmente. Eu lamento porque ser leitora é algo que me define.

 

 

O que mudou em ti com a maternidade?

 

Acho que me tornei uma pessoa mais dadivosa e atenta ao outro, tanto na esfera familiar como na social. Quando a minha filha nasceu, costumava dizer que havia conhecido um novo tipo de amor. Perdi a vida social e as noites ininterruptas de sono. E lidei bem com isso. Incrível como vamos buscar energia a depósitos que desconhecíamos. Tive sorte também: a gravidez foi calma, a amamentação prazenteira e a minha mãe esteve presente para ajudar. O mesmo valeu para o segundo filho. Amor incondicional, capacidade de doação e uma satisfação dos diabos de ter construído uma família tão bonita com o homem que amo. Tudo perfeito? Claro que não. No meu caso, o cansaço recaiu sobre os meus ombros lentamente, numa lógica de efeito cumulativo. Quanto mais me foi pedido, mais eu dava. Houve sucessivas mudanças internacionais, houve sacrifícios profissionais e, por fim, após uma longa saga de consultório em consultório, houve o diagnóstico de autismo. Após a surpresa inicial, seguidas das etapas comuns de negação e aceitação, percebi que a minha capacidade de empatia aumentou. Quando penso hoje em tolerância e inclusão, não penso em crianças autistas. Penso em todas as minorias: idosos, mulheres, mães solteiras, negros, pessoas com deficiência e membros da comunidade LGBT. Estar em minoria, neste caso, não é estar em menor número, matematicamente falando. É estar numa posição vulnerável na teia de relações de poder numa sociedade. Ser mãe colocou-me mais perto deste espaço de vulnerabilidade e estou grata por isso.

 

 

És a mãe que imaginaste?

 

Não. A maternidade é quase sempre idealizada, e o cenário mental que construímos raramente inclui uma criança diferente ou com algum tipo de deficiência. Mas recuemos um pouco. Eu fui mãe duas vezes. A minha primeira experiência como mãe foi comum. Tive uma menina com desenvolvimento típico. Tudo correu linda e tranquilamente porque eu não tinha planos de ser uma mãe perfeita. Acertei numas coisas, falhei noutras. Não ter grandes expectativas torna tudo mais fácil. Com o diagnóstico de autismo do meu segundo filho, contudo, veio a sensação de perda do filho idealizado (e da maternidade imaginada, por extensão). Não resisto a citar novamente o livro da Ana Nunes, leitura obrigatória para todas as mães de crianças com deficiência:

"Neste processo de elaborar o luto, lamentamos não apenas a perda do filho imaginado, mas também a perda do pertencimento a uma comunidade maioritária, à comunidade dos sem-deficiência. Ser pai de uma criança com deficiência é assumir uma nova identidade. É passar a fazer parte de uma minoria. É ter de se adaptar aos desafios e ao preconceito. É ter de lutar por inclusão, porque não fazemos mais parte do grupo privilegiado a quem certos direitos são concedidos sem luta. O luto pela deficiência não é motivado apenas pela perda do filho idealizado, mas pela perda do privilégio de pertencer a um grupo hegemónico."

Por tudo isso, não, eu não sou a mãe que imaginei. Sou muito melhor, sou muito mais humana e combativa do que alguma vez sonhei.

 

 

Que conselho darias a alguém que está a pensar em ser mãe?

 

Uma das coisas chatas da maternidade são os conselhos não solicitados. Cada experiência parental é inexoravelmente pessoal (por exemplo: uma pessoa que dispõe de ajuda doméstica, prestada por profissionais ou familiares, achará talvez tudo muito mais fácil do que uma mãe solteira sem apoios). Daí a dificuldade de dar palpites tipo "tamanho único". Evito ceder à tentação de dar conselhos. A menos que mos peçam, claro está, e para o efeito a caixa de correio estará sempre à disposição.

 

Aqui podem saber mais sobre A Família Neurodiversa e este texto ajuda-vos a compreender a ideia de neurodiversidade. E não deixem de ler A Carta de Beirute da Ana Nunes.

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